sábado, 22 de março de 2008

Anne

Tudo o que te foi indelicado,
Sumiu na curva do labirinto
Da saliva doce que embriaga
Teus sussurros feito gritos;

E como as sombras na parede,
Com que ensinavas teu filho
A superar o medo do escuro:

Há um lago de águas calmas
Sob esse denso nevoeiro;

Há uma fonte que não seca,
Pra banhar teu corpo inteiro;

E você sabe que pode alcançar:
Dois passos te separam dos teus bens;
Seja livre, sem armaduras ou reféns;

E você sabe que ainda dá pra usar
A estrada de tijolos amarelos;
Todos bem pintados e alinhados;

Caminhando sobre os canteiros,
Por onde é muito mais sossegado;
Depois De Horas

Me conte a tua história,
Me guarde num abraço:
Estamos sãos e salvos
Diante do que nos ausenta;

E assim, sempre quieto,
Tão direto, o nosso horror;
Mas tem que ser assim:
É dividir pra conquistar;

A consciência não tem mistérios,
E em tudo, nem tudo é derrota:
Nos basta ter confiança;
Nos basta ser verdadeiro;

E mesmo o que se vai agora;
O que agüentou até aqui;
O que repara em ti o mal:
Não se foi sem comunhão;
Clarissa

Quando e se aqui você chegar,
Nos teus velhos amigos,
Em você eu quero enxergar
Muito mais do que é oculto;
Um pouco mais que elogios;

Se você passar da portaria
Deste velho edifício,
Aí então eu quero estar
Um pouco mais em paz;
E muito mais concreto;

E se você assim concordar,
Eu juro, eu tentarei continuar
Esta reforma por terminar;

Mas tome cuidado no caminho,
Tome bastante cuidado:
Olhe bem pra onde é que vais;

Mas tome cuidado no caminho,
Apenas tome cuidado:
Saiba bem com quem é que vens;

E se você subir a escadas
Pro teu apartamento,
Do meu jeito eu quero estar
Um pouco mais capaz;
E muito mais por perto;

E se você assim necessitar,
Eu me viro, eu tentarei recitar
Alguma cantiga de ninar;




Luz E Sombras

Não é tão ruim assim
O que você experimentou;

Longe de toda gente e tão só,
As peças - parece que não encaixam
E isso, pra todo mundo é igual;

Mas quem sabe não é
O que você mais precisava;

Agora, em toda parte, o que vês,
Os prazeres - parece que te provam
É isso, teu lugar é mesmo aqui;

E por incrível que possa parecer,
De algum modo eu soube - é assim
É minha a vez de ser eu mesmo,
É minha a voz que ditará o tom;

E andando por aí, sempre tem alguém
Que gostaria de ter tanto quanto você,
A certeza de que tudo sempre acaba bem;

Tudo é tão relativo
Só que você não se importou;
Longe de toda gente e tão só,
As migalhas - parece que elas vencem
E isso, pra todo mundo é fatal;
A Bailarina

E até quando você
Pretende agir assim,
Decorando a tua janela
Com um vaso quebrado?

E até quando você
Me levará contigo,
Sem pedir permissão,
Sem me dar a mão?

Será teu pranto o detalhe
Que não tinha percebido,
Esquecido do que separa
As amizades e a solidão?

Em que pese o “não aceito”
É só você, e não o mundo,
Que te trará melancolia,
E uma dose de nostalgia;

O mundo é teu talento,
É você com seu destino:
O amor em teu semblante
Sempre é o que já foi antes;
Oh!...Louise!

Você quer uma nova situação,
Um outro alguém, sem indecisão;
Mas desande a tua bondade,
É tão fácil suportar o caminhar:
O contrário é a condição
Pra que se possa mudar a direção;

O amor não brota por caridade,
É só o que temos de aceitar:
E eu sou o mesmo de antes
- Um coração -
Um coração pronto para ser ferido;

Veja as linhas da tua biografia:
É a tua vida em cronologia;
Nas páginas azuis do teu diário,
Algumas velhas fotografias;

Mas não te pegues assustada,
Nem mesmo fiques encabulada,
Pois já não movem mais moinhos
Tantas águas já passadas;

Cinema

Veja essas cenas recontadas,
Por tantas vezes reprisadas;
Procure por você ali no meio:
Talvez seja só uma figurante,
Talvez seja a estrela principal;

Procure bem:
Do princípio até subir
Os créditos finais;
O teu nome num certo lugar,
É quase certo, deve constar;

Se você não puder se encontrar,
Há uma sessão extra...Vamos ver;
Só que pra isso nós vamos ter
Que até o fim da fila...Voltar;

Vamos ver uma vez mais,
Recordar;
As legendas vão descrever
O que você já podia prever:

Para o branco e preto,
As cores mais vivas;
Para os lábios mudos,
As vozes conhecidas;

Dezembro
(1999)

Custei o teu endereço achar:
Certo de ser bem recebido
Eu vim sem prévio aviso,
Eu vim sem me anunciar;

Junto à minha intromissão
Eu te trouxe este cartão;
Ele tem em poucas linhas
Um texto que achei legal;

É um meu presente cordial,
É meu presente antecipado:
Logo, logo, será dia de Natal;

E se a chuva não refrescar
A lenta fraude deste verão,
Implorar por outro temporal
Parece o que sobrou, mas não:

Lá no meio da selva de concreto,
No meio de tanta gente reunida,
Um dia, mil anos a mais, por cortesia,
À sua maneira, alguém vai cobiçar;

E depois da contagem regressiva,
O mesmo de sempre vem saudar:
É de novo Ano Novo, vida nova...Viva!

Que boas novas se realizem pra você;
Boas festas, nós nos veremos por aí;
Madeleine

Ela foi pra muito longe,
E deixou um não sei o quê,
Um tanto mais de lentidão,
Um pouco mais que solidão;

E sem reflexo, nem sinal,
Nem do bem e nem do mal;
E o que mais a gente tem,
Pra ter em tudo, o seu melhor?

E o que mais pra gente vem,
Pra ser em tudo, o que não tem,
Pra ver em tudo, o amor maior?

Alguém, um dia, vai te dizer:
É a última página do livro,
É o nosso último verão;
E tudo um dia - verás
Vai se refazer;

Eu é que julgo pra ser livre,
Eu é que peito o meu coração;
É todo dia, é aqui, é agora,
Não vou mais morrer;

E antes que seja tarde,
No chão do meu quintal,
Não, não me impeça mais,
Vai, vamos brincar;

A quem você quer enganar,
Ah! minha doce criança?
Eu não te peço nada demais,
Venha, vamos tentar;

sexta-feira, 21 de março de 2008

Paris, Texas

Imagens vivas num cartão postal
E pra cada face havia um nome,
Mas veja só o que me aconteceu:
Há tempos os anos já venceram,
E ainda hoje riem e fazem graça;

Não era bem isso o que eu queria
Mas nem por isso tudo se perdeu:
Na poeira das estranhas estradas,
Um coração cansado pede carona
Pra chegar mais perto da tua rua;

E seja como for, o que acontecer,
A gente sempre toma como certo
O que soa bem a qualquer situação,
Que faça um pequeno mundo girar;

Será que você entende os maus sinais?
Sinais vitais de um fim de século voraz?
Será que pra você já não importa mais?

Desculpe, mas esse é só o meu jeito
De acreditar que não há o que temer:
E nada que tenha o feito de esquecer
Será maior que a vontade de lembrar;

Mas pra onde quer que eu possa olhar
Me diz por onde é que anda nossa tribo:
Atrás de muros altos? Telhados de vidro?
Soltos pela vida, em paz consigo mesmo?

terça-feira, 18 de março de 2008

Odisséia

Quais são as reais chances
De algo bom te acontecer,
Se você ficar aí parada,
Seduzida por quase nada?

Quantos oceanos pra singrar:
Use a tua imaginação
Pra chegar onde começa o céu,
Pra chegar onde termina o mar;

Tente, ao menos uma vez,
Vamos lá, faça uma opção;
Tente, só mais uma vez:
O destino está nas tuas mãos;

Esta é a última grande jornada,
A correnteza vai te arrastar
Até teu porto e aos teus amores,
Até ti mesma e ao teu lar;

Mas por onde nós andamos,
E com todos nossos planos,
O que ainda vamos fazer
Com o que deixamos de fazer,

É de nossa conta prestar contas,
É de nossa conta o faz-de-conta;
Jornal

Nós só prestamos atenção
Nas fotos mais superficiais,
Em manchetes tão banais,
Com nossa cruel curiosidade;

E na seção de variedades,
Aquelas tragédias pessoais
Parecem ser menos penosas
Do que nossa atual servidão;

Mas o menino grita,

Parado na esquina
- Extra, edição extra, venham todos,
Venham ver -
É mais alguém que assumiu sua sina:
De nascer só pra morrer,

Quase...Meio sem querer;

O horóscopo nunca vai errar:
Que valha nossa remissão,
Se amar é um esporte
Que não precisa proteção;

Mas você jura que só espalham
Por estas folhas...A Ilusão;
Que tem sempre a mesma sorte:
Não será tua...A perdição;
Conversa Sobre Você

A ferrugem do tempo corrói
Teu dicionário de palavras duras,
E aí não podemos mais deter
Os nossos atos em falso,
Mundo afora;

Mas como é difícil te falar
De tudo o que eu já descobri;
Mas como é difícil te falar
Daquilo que eu já me convenci;

O teu coração está acelerado,
Você está toda arrepiada;
O teu espírito está inquieto,
Você está toda arrependida;

Você já passou por isso antes,
O teu pulso está alucinado;
Você já se aqueceu nisso antes,
Os teus braços estão amarrados;

Mas é tão difícil me mostrar
Se é real a tua ferida;
Mas é tão difícil me mostrar
O que é real na tua vida;

Há uma nova corte neste reino,
Outras pessoas tomaram o lugar:
Nós não devíamos mais olhar
Com olhos úmidos para aqueles
Que amamos;
Caravana De Destinos

É uma longa viagem
Procurar por compreensão,
Com a cara e a coragem
De esperar por salvação;

E onde foi que eu errei,
Veio teu erro me apontar:
Qual é o xis da questão;

Somos um na multidão,
E quem te toca num olhar
Também só quer saber
Se não levas a mesma dor;

Eu até já me consolei,
Mas queria te perguntar:
Qual foi a tua conclusão?

Os deuses blefam sem tremer;
Nós teremos muito pra consertar,
Apostando alto só por prazer;

sábado, 15 de março de 2008

Alice Não Mora Mais Aqui...

É estranho, dá pra acreditar?
O que sou eu e quem é você
Não é só aquilo que se vê;
Me diga como vai ser agora,
Que tudo será menos Inverno;

Somos tão crianças,
E no entanto, se foi verdade,
Uma vez posto, não será tirado;
É a mais pura realidade,
É a ambição despreparada,
Eu não escondo:

A liberdade que nos compra,
Também vai nos defender;
E não nadar contra a corrente,
- Não, não, não...Nada feito -
Eu tenho pressa, e não canso
De esperar;

É mesmo assim, das coisas deste mundo,
Quão longe vai o que tão perto está:
Vem das pequenas coisas, idéias geniais;

É circunstância o viver vidas opostas,
E de repente, a qualquer dia desses,
Um ao outro pode ter que procurar;
Passos No Escuro

E você procura por olhares,
Por olhares tão intensos
Quanto os teus;
E qualquer coisa serve,
Mas não vê:

O que é sagrado sem procissão,
O que é vertigem em tentação;

É como estar no topo e contar
Com um até logo,
Um até mais ver;

Com nada mais a nos prender,
E nada mais pra desbravar;

Não há ninguém assim tão sábio,
Sem nada além pra receber
O que realça e nos faz crescer:

Ou eu não desisto de mudar
As coisas,
Ou as coisas é que me terão
Mudado;





Sobre Todas As Coisas

Quanto mais do mesmo vamos ter,
Agora que o estrago está feito,
E não soubemos derreter,
Do excesso, nossa vontade?

Não mascare nossa aliança,
O encontro antes marcado
- Vamos retomar nossa grandeza -

É isso...
E a mais do que respostas,
Quem sabe,
Não há mais nada para nós;

E por descaso,
Tantos fatos singulares;
E do tanto ganho,
Um raro agradecimento;
E a cada lágrima,
Enormes dissabores;
A reclamar,
Ao sairmos perdedores,

E por quem nos deixa só,
O sofrimento;
Na balança, tens o peso,
E os valores;

E que isso combata teu intento;
Pois ou é para todo o sempre,
Ou nunca foi o ser...Amado;

Já que nada flutua ao acaso,
Nem as nuvens, nem o vento:
O que temos ainda a pagar,
É claro que não vai se apagar;
Caminhos Cruzados

Se nada tem explicação,
Ou não passa de miragem;
Se a força que te
move
É impossível de domar:

Dela, eu vou te falar,
E quem sabe me dirás
O que puderes te lembrar;
O que poderia nos salvar;

O recomeço é só o início:
Vamos dar graças,
Vamos comemorar;

Em cada hora,
Um discurso a menos;
E a cada hora,
Um degrau a mais;

E depois dos tropeços,
Enfim, a diversão;
E depois dos delitos,
Enfim, a conversão;

Num estalar de dedos,
O passado já passou;
O amanhã nos concederá,
Mas é fato que só vem depois;

domingo, 2 de março de 2008

Relógios De Areia

Eu preciso de você
- Eu quero precisar de você -
Eu queria não me precipitar
Mas tudo muda, é mesmo verdade;

Eu preciso de você
- Eu quero precisar de você -
Eu queria parar para sempre
O instante que passa tão depressa;

O que mais posso dizer?
Receio ser mal interpretado:
Viver não é uma imposição
- Ilustrar um sono mal dormido -

Então, pra que insistir?
Se querer é ter poder
E o sonho apanha da insônia,
Em termos, é uma contradição;

Eu não vi injustiça à toa,
Mas eu vi a justiça cega;
A estátua de olhos vendados
Nos faz o inocente e o culpado?
Brincar De Viver

Não se obrigue a disfarçar;
As voltas que o mundo dá
Vem denunciar:

Na ordem que rege o mundo
Jamais fomos tão estranhos,
Sem brigas e sem afeto;
Me corrija o teu espanto
- Eu quero despertar -

Por que agora é permitido:
A miséria virou lixo;
Eu vou me apropriar
Do que conseguir limpar;

Eu já nos arranjei
Uma porta nesse muro:
De tudo o que não te contei,
Se eleve o teu conceito;

Só demora um pouco

Até achar seguro;

Só demora um pouco

Até ficar direito;
Música Ao Longe

Existem certas coisas
Que é melhor deixar pra trás,
Mas é muito bom saber
Que outras ainda vão voltar;

Existem certas coisas
Que é melhor não deixar morrer,
Mas é muito bom saber
Que outras podem melhorar;

E parece simples,
Mas é complicado de fazer;
Porque buscamos sempre mais,
E outra vez mais:

E o quanto mais,
Por mais que seja,
Quase sempre, se nos chega,
Não o é suficiente;

Porque nós somos marionetes
Suspensos em fio invisível,
Também somos um brinquedo
De matéria-prima perecível;

À procura de ser muito feliz,
Na torre mais alta, encarcerado,
O coração já mais experimentado,
Mantém a fúria de um aprendiz;
Faces E Nomes

Amanhece...Será que é tarde;
Será que ainda é cedo demais;
Pra ir jogar farelos de pão
Aos pombos lá na praça?

E de caso com o acaso,
De olhos bem fechados,
Por vezes, o óbvio fica claro:

Do tanto que você esperou,
E esperou e nunca vinha;
E se veio, não te aconteceu;

Ah!...Setenta vezes sete
É o número do perdão;
Mas será mesmo visível,
Havia uma segunda opinião?

Anoitece...Ainda é cedo demais,
Ou talvez agora é que seja tarde:
Não banque o médico e o monstro,
Uma hora assim, a outra, assado;

Pra que tua força nunca empobreça,
Não tente mudar nada às pressas,
Pois nada muda se você não sente;

Pra onde vai depois que acaba,
O que veio e não permaneceu:
O teu amor covarde que desaba,
Ao ver que ele não te obedeceu?


Sweet Victória

Dentro dos teus olhos
Há uma bela solidão
Que parece ter sentido
Como a luz de um dia eterno,
Como a paz de um ter sorriso,
Que pra sempre, nele, brilhará;

E mesmo assim não sei
Se de fato amar exige
Que você venha pra ficar:
Sete dias dentro do paraíso,
Sete noites perto do perigo,
A vida inteira no mesmo lugar;

Já que vivemos o medo de não termos
O cuidado de não sermos vinho e pão,
Será que quando medo já não formos
Da vinha brotará de novo uma paixão?

Você diz que o pior já passou,
Que só quer viver pra ver crescer
A fogueira que um dia foi fagulha,
A inocência que um dia foi criança;

E você diz que tudo não passou
De um leve desatino pra insistir:
Mas qualquer ato só é ponto fraco
Se não passa de uma tola convenção;



Ciranda

Em algum lugar distante

O mundo não foi o bastante,
E eu que sempre acreditei
Vejo você voltar por nada;

E pra tentar não disfarçar
O que não conseguiu mudar,
Só espera que eu entenda
Todas as tuas incertezas;

E pra tentar não desprezar
Toda essa frágil natureza,
Só espera que eu conceda
O teu direito de errar;

Mas tudo falha num instante,
Quando todo mundo está ocupado;
Mas todos pecam num instante,
Quando querem o mundo exagerado;

Sei que você nunca prestou atenção,
Mas antes que possa achar que não
Há uma dor perfeita em cada cilada
Pra retocar tua nua beleza roubada;

Não esconda de ninguém que é solidão:
Se é um bem que foge, não mais lamente,
Ali logo em frente um outro dia diferente
Vem anunciar que ainda pulsa o coração;